[RESENHA] LEGADO DE SANGUE - RAQUEL PAGNO

Carmem e sua irmã cresceram ouvindo as histórias de sua avó, Francesca. Mas sempre que ela queria contar algo mais, sua filha Teresa a interrompia e mandava as meninas fazerem outra coisa. Mas numa noite, Francesca se rende ao peso do passado e conta sua história as meninas. 

Francesca começa descrevendo os horrores da guerra, como sua família sucumbiu a fome e como teve de se contentar com um casamento arranjado às pressas para não ficar sozinha no mundo. Porém a guerra só piorava, e quando seu franzino marido foi convocado, a única saída que o jovem casal encontrou foi tentar embarcar em um dos navios que iam para a América. Fugindo assim daquele inferno. 

Entretanto, o verdadeiro inferno aguardava Francesca no final da viagem. Antes de embarcar, homens estranhos arrastaram seu marido e o entregaram aos soldados. Francesca se agarrou a sua filha Teresa e rezou para sobreviver a viagem. O navio não era nada diferente dos navios que transportavam escravos. E em meio a podridão e cadáveres, Francesca deu a luz seu filho, Marco. 

Quando aqui chegaram foram separados como gado, a maioria levados para lavouras para trabalhar por comida e moradia. Mas um bem feitor apareceu na vida de Francesca. 

"As mulheres e homens foram analisados, como se fossem escravos a serem comprados por homens soberbos que  se enfileiravam em volta dos caminhões. Algumas mulheres choravam e soluçavam, pedindo, desesperadas, algo de comer e beber aos seus filhos. Eu abraçava minhas frágeis crianças, mas não chorava ou esboçava expressão alguma. Eu não tinha noção do que estava acontecendo. O medo era tanto e já se apoderara minha alma de tal forma que eu sentia que ele era parte de mim e segurava as minhas crianças apenas por instinto, sem me importar se estavam sofrendo ou não, sem temer que morressem."

Fora levada para uma casa, onde era tratada como uma rainha. Seus filhos vestiam-se como príncipes e tinham todo o cuidado de várias amas. Porém, nada é de graça. 

Após estarem todos recuperados do inferno que foi a viagem. O bem feitor aparece. Seu nome é Miguel e sua aparência é como de um anjo. Ele diz a Francesca que se ela aceitar lhe dar um herdeiro, ele dará a ela toda aquela propriedade e sua fortuna. Jamais ela ou seus filhos passariam necessidade novamente. 

Encantada pela beleza de seu anjo, Francesca aceita a proposta. Embora tente se convencer que está aceitando apenas para salvar seus filhos da miséria. A verdade é que Francesca está perdidamente apaixonada por Miguel. 

"Eu não o odiei por um só segundo e, ainda que ele não tivesse pedido, eu o desejava desesperadamente. Se tinha pensamentos de fuga ou de partir para longe, eles serviam apenas ao medo ou nasciam para proteger os meus filhos das presas de Miguel, ao mesmo tempo em que causavam em mim uma nostalgia antecipada, a dúvida de saber se suportaria a ausência de Miguel, a distância."

Mas Miguel está longe de ser o anjo que aparenta, a linda aparência esconde um monstro. Miguel é um vampiro, talvez o último. E a única forma de continuar sua espécie é tendo um filho com uma bruxa. E Miguel fará tudo para conseguir alcançar seu propósito, mesmo que isso signifique desgraçar a vida de Francesca e de suas descendentes. 

"Era irônico e triste: estar viva pelo ódio que eu sempre imaginara ser o pior dos sentimentos e que agora se mostrava infinitamente mais poderoso do que o próprio amor. Não era depressão que eu sentia, ou desânimo, que jamais sentiria enquanto aquele ódio morasse me meu coração. Seguidamente eu me perguntava até quando aquilo tudo duraria, se o ódio sobreviveria quando o pesadelo acabasse. Eu nunca pude responder a essa pergunta. Então parei de questionar-me."

Legado de Sangue é um livro interessante e controverso. De início pensei se tratar de mais um romance de vampiros, mas o livro me surpreendeu completamente. 

A trama é muito bem elaborada, a escrita da Raquel é suave e cativante. Você mal percebe que já devorou metade do livro e está desesperada para saber o final. 

Francesca é uma vítima da guerra, mas esse não foi o pior horror de sua vida. O pior horror foi o amor. Um amor cego, causado pela maldição que a atraiu e destruiu bruxas e vampiros ao longo de milênios. 

Sua personalidade é submissa como as mulheres de sua época. Embora seja forte ao suportar a dor causada pela sua cegueira inicial. Mas no final, percebemos que sua verdadeira prisão nunca foi aquele quarto, mas sim sua mente que, por amor ou ódio, jamais conseguiu escapar de Miguel. 

Teresa foi criada livre, possuía autonomia e  educação que a maioria das jovens de sua época não tinham. Talvez por isso, foi a única que realmente conseguiu se libertar do legado do seu sangue. Ela herdou a força da mãe, mas tinha algo mais que era próprio dela. Uma racionalidade que não permitia que seu coração ou a maldição que carregava a cegassem para a verdade sobre Miguel. 

Carmem é um caso a parte. Confesso que realmente a detestei. Apesar de tudo que sua avó lhe contou. Apesar de todos os alertas e de todas placas gigantescas de perigo que sua intuição lhe mostrava, se jogou de cabeça no seu legado. 

Não só foi fraca, ao não recusar o chamado que vinha em sua mente, como foi tola de esquecer toda a desgraça que já tinha recaído sobre sua família por causa de Miguel. Além de ingrata àqueles que correram muitos riscos para mantê-la segura.

Ah, Miguel! Ele é o pivô de toda a trama. O portador da desgraça. E por mais que ele tente se fazer de coitado, de vítima de todas as desgraças que ocorreram com seu povo. Ao longo do livro percebemos o quanto ele é frio, egoísta e verdadeiramente um monstro. 

Não que a monstruosidade venha do fato de ser vampiro, mas vem de sua própria personalidade. Ser vampiro só lhe deu mais poder para ser um monstro mais forte. 

Não consegui me encantar com ele. O odiei desde o começo do livro. Ele é o típico lobo em pele de cordeiro. 

Exatamente por isso detestei a Carmem. Francesca e Teresa não sabiam com quem estavam lidando, mas Carmem sabia e ainda assim virou as costas para aquelas que a amavam por causa do monstro. 

Como vocês perceberam, este livro me trouxe muitas emoções diferentes. Jamais imaginei algo assim quando comecei a lê-lo. Raquel conseguiu reinventar o mito do vampiro sem tirar seu charme e magnitude. Tudo se encaixa perfeitamente. 

Particularmente, gosto quando os autores brincam com os mitos formados sobre vampiros (menos quando eles brilham no sol, por favor. Sim, ainda não me conformo com isso até hoje). É uma forma de torná-los mais próximos dos humanos e mais perigosos ainda. Pois diminuem as formas de destruí-los. 

Gostei muito deste livro, foi uma surpresa maravilhosa. Estou ansiosa para ler as outras obras da autora. 

Obrigada, Cássia, do Blog Procurei em Sonhos por realizar este booktour. Obrigada, Raquel, por esta obra sensacional.

SKOOB