Confesso que demorei a assistir a esse filme, e depois de assisti-lo fiquei curiosa sobre o livro. Já que as adaptações alteram muitas coisas. Mas neste caso, o filme não alterou a essência do livro.
O Doador de Memórias é um livro que nos faz refletir sobre o aprendizado que o passado nos trás. Muitas vezes ouvimos dizer “esqueça o passado e siga em frente”. Na verdade, essa frase está errada. É impossível esquecer o passado e também não é bom. Pois se você esquece os erros que cometeu, o que te impedirá de cometê-los novamente?
Essa é a proposta da história. Para ter uma vida perfeita, a humanidade abriu mão de seu passado e da sabedoria que vem dele. Esqueceram as guerras, a fome, todas as calamidades, mas o preço disso foi alto, pois também tiveram de esquecer o amor, a família e os desejos.
É nessa sociedade perfeita e equilibrada que vive Jonas, um garoto de 12 anos que está prestes a descobrir qual será a profissão que irá exercer para o bem da comunidade.
Jonas é igual a todos da sua idade, mesmo porque nessa sociedade igualitária tudo é padronizado.
Jonas vive numa unidade familiar, que é bem diferente de uma família. Os pais tem a função de garantir o crescimento e a ensinar às regras as crianças que lhes são dadas por um processo de seleção.
Não são pais biológicos, já que tanto a situação de pais quanto de mãe biológica é uma profissão. As crianças são “fabricadas” e mandadas para centros de crescimento, de onde serão entregues as suas futuras unidades familiares.
Amor, carinho e cumplicidade não existem. O que existe é uma convivência perfeita, sem sentimentos, mas alicerçadas nas regras e no igualitarismo.
As crianças são educadas por ciclos de um ano cada e todas da mesma forma. Fazendo as mesmas coisas, usando roupas idênticas, até a forma de pentear o cabelo é igual para cada idade.
"Se tudo é sempre o mesmo, então não há escolhas! Quero acordar de manhã e decidir coisas! Hoje vou vestir uma túnica azul o uma vermelha. Mas é tudo igual, sempre."
"Se tudo é sempre o mesmo, então não há escolhas! Quero acordar de manhã e decidir coisas! Hoje vou vestir uma túnica azul o uma vermelha. Mas é tudo igual, sempre."
No dia da tão esperada Cerimônia dos Doze, Jonas está muito nervoso, mas isso só piora quando a Anciã-Chefe pula seu número ao anunciar a nova designação de seus amigos.
Jonas se sente perdido, envergonhado e fracassado. Mas ao final, ela o chama ao palco e surpreende a todos ao dizer que Jonas não foi indicado a uma a uma atribuição, ele foi escolhido.
A Anciã-Chefe explica que raramente, isso acontece. Pois o que aguarda Jonas requer muito de uma pessoa. Algo que nem ela mesma entende. Jonas será o Guardião de Memórias. Isso irá requerer dele coragem, disciplina e muita força, pois somente ele sentirá dor, uma dor tão profunda e intensa que nenhum outro na comunidade conhece. Exceto o atual Guardião de Memórias.
"Às vezes não nos sentimos inteiramente seguros ao decidir sobre as Atribuições, mesmo depois de uma observação escrupulosa. Às vezes existe a preocupação de que uma ou outra pessoa não desenvolva, com o treinamento, todos os atributos necessários para aquela função. Os Onze ainda são crianças, afinal de contas. O que consideramos jovialidade e paciência - as qualidades que se exigem de um Criador -, com a maturidade, pode se revelar apenas tolice e indolência. Por isso, continuamos a observação durante o treinamento, para modificar certos comportamentos quando necessário. Mas o Recebedor-aprendiz não pode ser observado, não pode ser modificado. Isso está explícito nas regras. Ele deve ficar sozinho, isolado, enquanto é preparado pelo atual Recebedor para a função de maior honra em nossa comunidade."
Assim, Jonas inicia o treinamento com o Doador de Memórias e descobre o tanto que seu povo abriu mão para ter aquela vida.
Esse livro é incrível. Perto das distopias atuais, pode até parecer muito parado, mas deve ter sido algo único quando foi lançado (em 1993).
Através do aprendizado de Jonas, podemos ver e analisar quantas situações cotidianas nós deixamos passar como se fossem banais. Mas que se enquadram num contexto único: nossas lembranças.
Quem já não disse “adoraria esquecer tudo isso”? Quem ainda não disse, em algum momento da vida dirá. Mas esquecer, mesmo que seja o pior sofrimento, nos faz perder a sabedoria do que vem dele.
"- Mas por que todo mundo não pode ter as lembranças? (...)
- Mas nesse caso seria pesado e doloroso para todos. Eles não querem isso. E é esta a verdadeira razão por que o Recebedor é tão vital para eles e tão reverenciado. Eles me escolheram, e escolheram você, para tirar deles esse fardo."
Isso é o que o livro debate, o quanto conhecimento e sabedoria foram perdidos pela vida perfeita. Que durante o livro vemos que não é tão perfeita assim. As desgraças apenas receberam uma maquiagem, mas continuam naquela comunidade. Porém ninguém consegue senti-las ou reconhecê-las
Adorei o livro. A Lois Lawry conseguiu passar todo o sentimento de vazio deixado pela ausência de lembranças. É um livro para se ler num dia de chuva ou nublado, com uma xícara de chocolate quente ao lado e refletir sobre as nossas lembranças.